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A intervenção no Rio

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A presença das Forças Armadas nas ruas do Rio lembrou-me a defesa de minha dissertação de Mestrado, quando afirmei que o Estado é uma ficção jurídica. Fui criticado, mas mantive esse entendimento, inclusive no meu livro “A Ordem dos Advogados do Brasil e o Estado brasileiro”.

Opiniões podem ser contestadas, mas devem ser respeitadas, especialmente quando se tratam de conceitos. Ademais esse entendimento foi defendido por doutrinadores como Savigny e Kelsen. Mas minha conclusão emergiu de uma visão realista: as instituições só existem a partir das pessoas. Isso explica outra afirmação que fiz: o Estado é o maior algoz do cidadão.

Esse algoz é o próprio homem, revestido do poder estatal, que desvia de sua finalidade. Usa-o em benefício próprio, não para promover a paz e o bem estar de todos, “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I, CF).

É fato que as FFAA fazem parte do Estado. Contudo, as instituições são as condutas das pessoas que as integram. Daí porque as FFAA gozam da maior credibilidade junto à população. Suas ações resultam em defesa da unidade nacional. Os vícios de condutas isolados de determinados militares não afetam a credibilidade da Instituição, que tem pago um preço elevado, pela desinformação, pelo equívoco das análises e até pela defesa que membros da própria corporação fazem - tentando justificar o injustificável -, atrelando às FFAA desvios isolados que não devem e nem podem ser a ela atribuídos, ante sua própria definição constitucional.

É o caso dos que defendem a tortura como prática inerente à atividade militar. Não é. É crime. Há que se entender, porém, que o objetivo militar das FFAA exige que seu treinamento seja diferente daquele destinado às polícias militar e civil, que, também, são distintas entre si.

Quando, portanto, um presidente da República resolve fazer uma intervenção em determinado Estado e manda para lá as FFAA é equivocado dizer-se que se está diante de uma intervenção das FFAA. A intervenção é do Estado, não das FFAA. O presidente está usando as FFAA, mas é ele quem está fazendo a intervenção. As FFAA não têm como se recusar, sob pena de violar regra básica militar – a disciplina hierárquica -, uma vez que o Presidente da República é seu Comandante Supremo (art. 84, XIII, CF).

Se há erro na decisão da intervenção, é do Estado, do Presidente da República. Mas quem será sacrificada serão as FFAA porque são elas que aparecem. Poucos terão a percepção de que se trata de encenação política, usando uma instituição com credibilidade, expondo-a à execração por um mínimo de excesso que venha a ser cometido por qualquer militar.

Se o Presidente quisesse enfrentar o problema do Rio iria à sua raiz, não à periferia, expondo as FFAA para lhes transferir o insucesso dessa luta inglória. O responsável pela ineficiência dos órgãos de segurança estadual é o governador. Para eficácia da intervenção, esta deveria alcançá-lo (Art. 34, III, da CF). Só há um problema: o interventor deve passar pela aprovação do Congresso Nacional, que, pela sua natureza, mandaria alguém para raspar o tacho.

Quem aceitaria, se o tacho já foi raspado e os holofotes dificultam a rapinagem?

(São Luís, 19/04/2018)

Carlos Nina
* Advogado. Mestre em Direito Econômico e Político (São Paulo, 1998), Pós Doutorado em Direito (Messina, 2013).


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